Crônica
de uma professora de “Santa Leopoldina”
Há momento na vida do
professor que parece singular. Os extremos das emoções são na verdade os
reflexos do cotidiano, ora fadigado, ora compensador pela labuta amorosa do
ensinar e do aprender. Hoje, consistiu em um daqueles dias que começa com o
cansaço e termina com o gostinho de quero mais. Quero mais alguns minutos de
aula! Um relato estendido pelos corredores significou a certeza e a aventurada
escolha de morar e trabalhar na cidade de Santa Leopoldina.
E assim, faço meu caminhar pela literatura, configurando meu prazer quase que total pela profissão de professora. Esperava encontrar em meus
alunos esse encantamento. Infelizmente, é imperceptível o envolvimento dos meus
educandos ao falar do poema, ao ler uma crônica do dia ou mesmo questionar a
coerência textual de um artigo de opinião.
Entretanto, hoje foi um dia
compensador. A presença singular daqueles que fazem a diferença em uma aula,
como ouvir de uma aluna, com sorriso nos lábios e a voz transcendendo a mais
pura emoção, que a cada dia que passa ela fica encantada por cada crônica lida,
e que essa descoberta traz o prazer de ter aulas de português. Sonho de
professora que vira realidade.
Em outro momento, ouço
atentamente as narrativas de uma memória de família. Estava lá, outra aluna, em
uma oficina literária, lendo a lição de casa. Relatos do passado de alguém. O foco
narrativo do tempo, das lembranças, possibilitou uma riqueza de detalhes na
coerência textual. E, ela narra o amor como personagem principal entre dois
amantes separados pela guerra... O final? A espera, a saudade, angústia de quem
fica, foram compensados junto à leitura devidamente pontuada, por palavras moderadamente
recolhidas na simplicidade e riqueza dos detalhes relatados. Um texto coerente,
como uma música suave e límpida para os ouvidos.
A catarse finaliza o dia. A
leitura esporádica de alguns poemas de “Vinícius de Moraes” foi solícita para iniciar
a última aula e trabalhar com a emoção, com a condição poética que carregamos, mesmo
que inconscientemente. Turma sem métrica, sem rima. Poesia não mente, apenas
sente e encanta a professora em sua condição única, além da poética, de ser mulher, de ler
Vinícius.
Percebo que as palavras são
fontes refrescantes dos que saciam o saber. Contudo, o final prometia surpresas. Quem sabe “Vinícius” deu sua graça inspiradora? Os minutos passaram nas horas
exaustivas do dia. Conversar com os educandos sobre o conteúdo não só é
essencial, mas compensador para a caminhada desse processo do ensino. As
conversas entrelaçam no aprendizado e por ele a sabedoria exala a vivencia
entre tantas outras comunidades.
A aula estava por acabar,
antes um pedido, uma reflexão sobre o “lugar onde vivo”, tema para a próxima
crônica, para outro encontro. Foi quando ouvi, antecedendo a rogativa, um sorriso convidativo de mais um relato do dia. Era de um passado
recente. A enchente de Santa Leopoldina, esta que se manifesta entre as
exaustivas chuvas de verão, e cuja memória o fez relembrar a difícil tarefa de
escolher, de locar para outro lugar ou de ficar ilhado no conjunto de fatos desastrosos
e compartilhados pelos vizinhos da solidão. Solidão? Não há solidão. Esta gente
que vive em Santa Leopoldina tem sorriso e descontração. Tem histórias. Muitas
histórias. Como deixar de ouvi-las? Percebi a emoção desse aluno, tomado pela
lembrança da última enchente, e o seu querer, nostálgico, em compartilhar comigo uma
experiência entre tantas outras vividas com os seus amigos da rua. “Professora,
quando as águas começam a subir ficamos ilhados. Às vezes nos pegam de
surpresa, chega rápido, em outras observamos ela aumentar de nível, chegando a
nossas casas. Chorar não adianta, então, ajudamos uns aos outros com o que
podemos. Subimos nossos móveis e nos recolhemos com a esperança das águas
abaixarem. Mas, não deixamos de fazer um churrasco, de colocar o papo em dia,
somos amigos dos nossos vizinhos, rimos muito, somos assim, fazemos do trágico
a comédia, temos muito humor...”.
Finda a crônica, como mais
um dia do meu trabalho de professora.
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