quinta-feira, 21 de junho de 2012


Crônica de uma professora de “Santa Leopoldina”

Há momento na vida do professor que parece singular. Os extremos das emoções são na verdade os reflexos do cotidiano, ora fadigado, ora compensador pela labuta amorosa do ensinar e do aprender. Hoje, consistiu em um daqueles dias que começa com o cansaço e termina com o gostinho de quero mais. Quero mais alguns minutos de aula! Um relato estendido pelos corredores significou a certeza e a aventurada escolha de morar e trabalhar na cidade de Santa Leopoldina.
E assim, faço meu caminhar pela literatura, configurando meu prazer quase que total pela profissão de professora. Esperava encontrar em meus alunos esse encantamento. Infelizmente, é imperceptível o envolvimento dos meus educandos ao falar do poema, ao ler uma crônica do dia ou mesmo questionar a coerência textual de um artigo de opinião.
Entretanto, hoje foi um dia compensador. A presença singular daqueles que fazem a diferença em uma aula, como ouvir de uma aluna, com sorriso nos lábios e a voz transcendendo a mais pura emoção, que a cada dia que passa ela fica encantada por cada crônica lida, e que essa descoberta traz o prazer de ter aulas de português. Sonho de professora que vira realidade.
Em outro momento, ouço atentamente as narrativas de uma memória de família. Estava lá, outra aluna, em uma oficina literária, lendo a lição de casa. Relatos do passado de alguém. O foco narrativo do tempo, das lembranças, possibilitou uma riqueza de detalhes na coerência textual. E, ela narra o amor como personagem principal entre dois amantes separados pela guerra... O final? A espera, a saudade, angústia de quem fica, foram compensados junto à leitura devidamente pontuada, por palavras moderadamente recolhidas na simplicidade e riqueza dos detalhes relatados. Um texto coerente, como uma música suave e límpida para os ouvidos.
A catarse finaliza o dia. A leitura esporádica de alguns poemas de “Vinícius de Moraes” foi solícita para iniciar a última aula e trabalhar com a emoção, com a condição poética que carregamos, mesmo que inconscientemente. Turma sem métrica, sem rima. Poesia não mente, apenas sente e encanta a professora em sua condição única, além da poética, de ser mulher, de ler Vinícius.
Percebo que as palavras são fontes refrescantes dos que saciam o saber. Contudo, o final prometia surpresas. Quem sabe “Vinícius” deu sua graça inspiradora? Os minutos passaram nas horas exaustivas do dia. Conversar com os educandos sobre o conteúdo não só é essencial, mas compensador para a caminhada desse processo do ensino. As conversas entrelaçam no aprendizado e por ele a sabedoria exala a vivencia entre tantas outras comunidades.
A aula estava por acabar, antes um pedido, uma reflexão sobre o “lugar onde vivo”, tema para a próxima crônica, para outro encontro. Foi quando ouvi, antecedendo a rogativa, um sorriso convidativo de mais um relato do dia. Era de um passado recente. A enchente de Santa Leopoldina, esta que se manifesta entre as exaustivas chuvas de verão, e cuja memória o fez relembrar a difícil tarefa de escolher, de locar para outro lugar ou de  ficar ilhado no conjunto de fatos desastrosos e compartilhados pelos vizinhos da solidão. Solidão? Não há solidão. Esta gente que vive em Santa Leopoldina tem sorriso e descontração. Tem histórias. Muitas histórias. Como deixar de ouvi-las? Percebi a emoção desse aluno, tomado pela lembrança da última enchente, e o seu querer, nostálgico, em compartilhar comigo uma experiência entre tantas outras vividas com os seus amigos da rua. “Professora, quando as águas começam a subir ficamos ilhados. Às vezes nos pegam de surpresa, chega rápido, em outras observamos ela aumentar de nível, chegando a nossas casas. Chorar não adianta, então, ajudamos uns aos outros com o que podemos. Subimos nossos móveis e nos recolhemos com a esperança das águas abaixarem. Mas, não deixamos de fazer um churrasco, de colocar o papo em dia, somos amigos dos nossos vizinhos, rimos muito, somos assim, fazemos do trágico a comédia, temos muito humor...”.
Finda a crônica, como mais um dia do meu trabalho de professora.